O Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) é uma condição neurobiológica que acompanho de perto em minha prática clínica com crianças, adolescentes e adultos. Ao longo dos anos, tenho observado como o TDAH é frequentemente mal compreendido, cercado por uma série de mitos que podem dificultar o diagnóstico, o tratamento e, principalmente, a forma como as pessoas com essa condição se veem e são vistas pela sociedade. Por isso, sinto a necessidade de compartilhar minha perspectiva, baseada em anos de experiência, para lançar luz sobre as verdades do TDAH e desconstruir algumas das crenças mais comuns.
Mito 1: “TDAH é coisa de criança e desaparece na adolescência.”
Minha Verdade: Uma das ideias mais persistentes e equivocadas é que o TDAH é um problema exclusivo da infância, que magicamente se resolve na adolescência. Minha experiência clínica me mostra que não é assim. Embora os primeiros sinais do TDAH geralmente se manifestem na infância, o transtorno não desaparece com a idade. Em muitos casos, os sintomas persistem na adolescência e na vida adulta, embora possam se expressar de maneiras diferentes. Aquela agitação motora intensa da infância pode se transformar em uma inquietude interna, uma dificuldade em relaxar ou uma impulsividade verbal. O TDAH em adultos pode ter um impacto significativo na carreira, nos relacionamentos e na autoestima, tornando fundamental que o diagnóstico e o tratamento continuem sendo uma prioridade.
Mito 2: “TDAH é falta de disciplina ou preguiça.”
Minha Verdade: Essa é uma rotulação que me incomoda profundamente. Reduzir o TDAH a uma questão de má vontade, falta de esforço ou pais permissivos é ignorar a complexidade da neurobiologia envolvida. O TDAH não é uma escolha, mas sim uma condição neurológica com raízes genéticas e neuroquímicas bem estabelecidas. As dificuldades de concentração, a impulsividade e, em alguns casos, a hiperatividade são resultados de um funcionamento cerebral atípico, principalmente nas áreas responsáveis pelo controle da atenção, dos impulsos e do planejamento. Julgar indivíduos com TDAH como preguiçosos ou indisciplinados é não apenas simplista, mas também cruel, pois pode gerar neles sentimentos de culpa, frustração e baixa autoestima.
Mito 3: “Toda criança agitada tem TDAH.”
Minha Verdade: Como psiquiatra, sei que é crucial distinguir a vivacidade natural da infância dos sintomas reais do TDAH. Crianças pequenas são naturalmente mais ativas e curiosas. O TDAH, por outro lado, se caracteriza por um padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade que se destaca por sua intensidade, frequência e pela forma como interfere no dia a dia da criança, seja na escola, em casa ou nas interações sociais. Um diagnóstico preciso não se baseia apenas na observação de uma criança ativa, mas requer uma avaliação detalhada que considera a história do desenvolvimento, relatos de pais e professores, e a aplicação de critérios diagnósticos bem definidos.
Mito 4: “Medicação para TDAH vicia e tem muitos efeitos colaterais.”
Minha Verdade: A medicação, principalmente os psicoestimulantes, é uma ferramenta terapêutica valiosa e eficaz no tratamento do TDAH. Ela atua na regulação dos neurotransmissores cerebrais, auxiliando na melhora da atenção, no controle dos impulsos e na redução da hiperatividade. Quando prescrevo uma medicação, faço-o com responsabilidade e após uma avaliação cuidadosa. Explico aos pacientes e suas famílias que, utilizada sob orientação médica, a medicação é segura e não causa dependência química. Sim, como qualquer medicamento, pode haver efeitos colaterais, mas geralmente são leves e transitórios, e podem ser gerenciados com ajustes na dose ou na escolha da medicação. É fundamental entender que a medicação é frequentemente parte de uma abordagem mais ampla, que pode incluir a terapia cognitivo-comportamental e outras intervenções.
Mito 5: “Pessoas com TDAH não conseguem ter sucesso na vida.”
Minha Verdade: Essa é uma afirmação que me entristece, pois ignora o potencial e as conquistas de inúmeras pessoas com TDAH. As dificuldades com atenção e impulsividade são reais, mas indivíduos com TDAH também podem apresentar características como criatividade, energia, espontaneidade e uma capacidade de pensar de forma inovadora. Com o diagnóstico e o tratamento adequados, o desenvolvimento de estratégias de organização e foco, e o apoio necessário, muitas pessoas com TDAH alcançam sucesso acadêmico, profissional e pessoal em diversas áreas. Acredito firmemente na importância de reconhecer e valorizar as habilidades únicas de cada indivíduo, oferecendo o suporte para que possam florescer.
Minhas Verdades sobre o TDAH:
Verdade 1: O diagnóstico precoce e preciso muda vidas.
Em minha prática, vejo o impacto transformador de um diagnóstico precoce e preciso. Quanto antes identificamos o TDAH, mais cedo podemos implementar intervenções que farão uma diferença significativa na vida da criança, do adolescente ou do adulto. Uma avaliação completa, realizada por profissionais qualificados, é o primeiro passo para que meus pacientes recebam o suporte individualizado de que precisam para enfrentar os desafios e desenvolver todo o seu potencial.
Verdade 2: O tratamento eficaz é multifacetado e centrado no paciente.
Não acredito em uma solução única para o TDAH. O tratamento que proponho é sempre multimodal, combinando diferentes abordagens como a medicação, a terapia cognitivo-comportamental, a psicoeducação para o paciente e sua família, o apoio psicopedagógico e, quando necessário, outras intervenções. O plano de tratamento é sempre individualizado, construído em parceria com o paciente e sua família, levando em consideração suas necessidades específicas, a intensidade dos sintomas e o impacto do TDAH em sua vida.
Verdade 3: O apoio da família e da escola é um pilar fundamental.
O ambiente em que meus pacientes vivem e aprendem tem um impacto enorme em seu bem-estar e desenvolvimento. Por isso, oriento e apoio as famílias e as escolas a entenderem o TDAH, a implementarem estratégias de organização e rotina, a manterem uma comunicação aberta e a trabalharem em conjunto para minimizar os desafios e potencializar os pontos fortes de cada indivíduo.
Verdade 4: Uma vida plena e bem-sucedida é absolutamente possível com TDAH.
Minha maior esperança para meus pacientes com TDAH é que eles vivam vidas plenas e bem-sucedidas. Com o diagnóstico e o tratamento adequados, o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento e o apoio de seus entes queridos, eles podem superar os obstáculos e alcançar seus objetivos. É essencial que a sociedade como um todo abandone os estigmas e passe a reconhecer o potencial único de cada pessoa com TDAH, oferecendo oportunidades e incentivando o desenvolvimento de seus talentos.
Espero que, ao compartilhar minha perspectiva, eu possa contribuir para uma maior compreensão sobre o TDAH. Meu objetivo é quebrar as barreiras do preconceito e da desinformação, promovendo uma visão mais informada, empática e acolhedora para todos aqueles que vivem com essa condição. Se você se identifica com alguma dessas questões ou conhece alguém que se identifica, procure ajuda profissional. O primeiro passo para uma vida melhor é a informação e a busca por um diagnóstico e tratamento adequados.
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